Vem de longe o casamento de conveniência entre a Igreja Católica e a Benedita. Numa vila em que se passou do trabalho do campo, e dos artesãos, para uma espécie de mini-revolução industrial, seria de esperar que a par do crescimento viesse desenvolvimento. E veio, mas não a todos os níveis.
A marca identitária da Benedita é dual: assenta, por um lado, num forte apego à religião, e por outro, no vazio, no que concerne às manifestações artístico-culturais. Haverá rebanho mais calmo do que aquele que não sabe que para lá dos montes há vales? A Cultura e a Arte, nas suas várias expressões, conduzem a algo de extremamente perigoso para o compêndio estanque da Igreja Católica - a capacidade de pensar. Ou seja, a capacidade de questionar.
A Benedita beneficiou, ao longo de décadas, dos diversos párocos que nela se instalaram. Bastou aos primeiros “fazerem o molde”, perceberem que estavam a braços com uma população iletrada, pacífica e profundamente rural, e imprimirem-lhe uma espécie de identidade religiosa enquanto expressão cultural. Religião enquanto Cultura. Arte enquanto Escritura. A Igreja proporcionava festa, partilha, envolvimento. E transformava os seus fiéis em agentes sociais – a este dinamismo cultivado se deve a própria igreja paroquial, o carácter regular das acções de angariação de fundos para os Bombeiros Voluntários, ou ainda, em parte, o nascimento do Lar e Centro de Dia.
Escreve-se, não raras vezes, que a Igreja não se instalou graciosamente na Benedita, mas antes que fundou a própria Benedita. O raciocínio não está completamente errado, mas esquecemo-nos frequentemente de que a Igreja, assim como congregou toda uma população, moldou-a, no seu estilo muito próprio de ditadura pela moral, privando-a, portanto, de outros pulsares e até de outros desígnios.
Numa vila onde floresce a micro-empresa (na maioria das vezes, familiar), onde a taxa de abandono escolar é elevadíssima (muitas vezes por culpa dos próprios pais), e onde estudam, diariamente, mais de 2000 crianças e jovens, a sua Igreja, agora e sempre, esquece o Cristo ressuscitado e prega-o constantemente à cruz. À condição de mártir, mas, sobretudo, de pecador.
A Benedita cresceu a dar graças pelo que tem. Pelo que as suas empresas, tal qual amibas, em nada ajudam o país, mas ajudam muito o ego de quem as tem.
A Benedita cresceu com uma Igreja que é uma festa, para a qual as senhoras vão ao cabeleireiro, mas não tem Música, não tem Teatro, não tem Dança, não tem NADA. Porque um livro, ou um filme, cuidado!!!, são formas de subversão. [Sim, refiro-me directamente a si, padre Armindo...]
As escolas, sobretudo o Externato, debatem-se com a falta de iniciativa dos jovens beneditenses para o que quer que seja. Mas, que fazer quando esses jovens ouvem, em sua casa, que não há mal algum em não acabar o 9º ano e ir trabalhar para uma fábrica? “O irmão desistiu, e hoje já tem o carro artilhado..., Para quê estudar, se se pode ajudar o pai?, A estudar, que ao menos seja em Leiria...”
Muitas vezes, o que os pais destes jovens querem é que eles não cheguem sequer a sair. Que fiquem na terra, e façam dinheiro, como eles! Nos porcos, nos coelhos, seja no que for. Muitas vezes, o que os licenciados querem é voltar, para gerir os porcos, ou os coelhos, seja o que for. Desde que seja micro, desde que seja na Benedita, desde que seja, no fundo, como se nunca se tivesse passado nada. As gerações diluem-se...
E depois, um bom filho a casa torna. E nem todos podem ser especialmente iluminados. Nem devem, diriam alguns clérigos.
Muitos dos filhos da Benedita e da sua Igreja já nascem formatados. E são poucos, aflitivamente poucos, os que conseguem, numa operação de distanciamento, ter consciência da engrenagem, e dar frutos, as sementes, “do diabo”, que os salvem.
A apologia da mediocridade humana, debitada pela esmagadora maioria dos párocos que passaram pela Benedita, ainda grassa, e, com o padre Armindo, a todo o vapor. (Os oásis não se repetem. E, justiça seja feita, chegam-me, a este respeito, cada vez mais ecos de apreensão e descontentamento.)
Nota breve sobre o referendo do dia 11...
Naturalmente pelo SIM, gostaria apenas de lembrar a muitos católicos, e ao pároco da Benedita em particular, que há, em Portugal, muitos “padrinhos”-párocos, muitas mães que, por não o desejarem ou conseguirem ser, batem, torturam e matam os filhos, e muitas outras que consideram que 4 ou 5 já chega...
Relembro ainda que: o preservativo rompe, a pílula pode falhar, e que a laqueação e a vasectomia podem, ainda que raramente, ser regressivas. Cristo pedia que deixassem ir a ele (perdão pela minúscula, o pronome não está no início da frase) as criancinhas. Deixemos, pois. Que não sofram, se não são desejadas. E não nos esqueçamos nunca, e na Benedita há-os todos, e todos, felizmente, praticantes – virgens, padres, homossexuais, hipócritas, não hipócritas, mulheres que abortam, mulheres que não abortam: somos todos filhos de Deus.