domingo, 20 de maio de 2007

dos rebanhos II



Ah, padre Armindo, padre Armindo...
Então não é que no passado Sábado a missa vespertina estava às moscas?...
Olhe que eu ainda me lembro de que há meia dúzia de anos chegava a ficar gente de pé!...

Pois é, alguma coisa se passa... E o que se passa, como o vazio de Sábado, é comentado pelos seus fiéis, na rua, à boca cheia, para quem quiser ouvir... Não ando cá eu a perguntar nada, que tenho mais que fazer.

Sempre quero ver como é que vai pagar a obra megalómana que está a crescer ali para os lados da "sua casa"... Têm-me dito que não está em condições de pedir dinheiro às pessoas... Por causa do novo sistema de pagamento de intenções e de outras coisas... O que significa que talvez nem se oponham à obra mas que estão descontentes com o estandarte...
Bem sei que muita microempresa quer pagar menos impostos, e que obras "com este cariz" e ambulâncias novas ainda são as formas menos "duvidosas" de o fazerem... Mas, meus senhores, o que interessa é o povo, e o povo deveria andar contente...
Triste sina... Tanta fé e tão orfã...

Cuidado com os rebanhos... Quando não sabemos fazer com que eles gostem de nós é uma chatice... Tresmalham-se, e às vezes para sempre... Já viu o dano?

Eu, como sabe, não tenho problemas de consciência. Tresmalhar é comigo, principalmente quando vejo lobos em pele de cordeiro. Nada contra os rebanhos. Mas de pastores que fazem pouco, mal, e que ainda por cima são pagos por isso..., que outra coisa se espera que não seja a fuga do gado?

As ovelhas já não são o que eram, senhor prior... É por isso que para se ser pastor é preciso vocação, hoje em dia, mais do que nunca. Não se pode andar nisto como quem quer um emprego que lhe dê casa, carro, e estadia para os amigos... Decerto, não é o seu caso, não se enerve...

Mas, repito, cuidado com os rebanhos. Conselho amigo! Os rebanhos têm sempre mais força do que julgamos, e quando não são bem tratados ficam agitados e mordem! Com razão, pois claro.

E há lá coisa mais triste, mais pateta, do que um pastor sem rebanho?...

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

a cruz eterna


Esta semana, especialmente para Armindo Elias dos Reis, Arte. Fotografia, de Andres Serrano, figura incontornável do século XX.

Não porque Armindo Elias dos Reis seja o pároco da Benedita. Que é.
Mas sim porque:

Sobre este padre, de pouco mais de 30 anos, recai a suspeita de, em conluio com a única sala de Cinema da freguesia, ter impedido a exibição do filme “O Crime do Padre Amaro”, na Benedita.

Porque este padre, recém-chegado, proibiu, automaticamente, a pessoa divorciada do exercício da catequese.

Porque este padre “cortou” nas missas dos lugares, obrigando os mais idosos, os mais doentes e muitas pessoas sem transporte próprio a deslocarem-se à Benedita.

Porque este padre aconselha os casais não unidos pelo matrimónio a frequentarem a missa de Domingo, ao invés da de Sábado.

Porque este padre vive obcecado com o “pecado”.
Com Cristo a sangrar na cruz.
Com calcar-lhe os pregos. Num misto de temor e perversão.

Ninguém sabe ao certo se este padre, tão jovem, tem muito medo, ou se sorri muito, sem ninguém ver.

Por isso, padre Armindo, por tanta obscenidade, esta imagem é só para si.
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Nota: A fotografia chama-se "Piss Christ", data de 1989, e resulta da imersão de um crucifixo em urina.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

dos rebanhos

Vem de longe o casamento de conveniência entre a Igreja Católica e a Benedita. Numa vila em que se passou do trabalho do campo, e dos artesãos, para uma espécie de mini-revolução industrial, seria de esperar que a par do crescimento viesse desenvolvimento. E veio, mas não a todos os níveis.
A marca identitária da Benedita é dual: assenta, por um lado, num forte apego à religião, e por outro, no vazio, no que concerne às manifestações artístico-culturais. Haverá rebanho mais calmo do que aquele que não sabe que para lá dos montes há vales? A Cultura e a Arte, nas suas várias expressões, conduzem a algo de extremamente perigoso para o compêndio estanque da Igreja Católica - a capacidade de pensar. Ou seja, a capacidade de questionar.
A Benedita beneficiou, ao longo de décadas, dos diversos párocos que nela se instalaram. Bastou aos primeiros “fazerem o molde”, perceberem que estavam a braços com uma população iletrada, pacífica e profundamente rural, e imprimirem-lhe uma espécie de identidade religiosa enquanto expressão cultural. Religião enquanto Cultura. Arte enquanto Escritura. A Igreja proporcionava festa, partilha, envolvimento. E transformava os seus fiéis em agentes sociais – a este dinamismo cultivado se deve a própria igreja paroquial, o carácter regular das acções de angariação de fundos para os Bombeiros Voluntários, ou ainda, em parte, o nascimento do Lar e Centro de Dia.
Escreve-se, não raras vezes, que a Igreja não se instalou graciosamente na Benedita, mas antes que fundou a própria Benedita. O raciocínio não está completamente errado, mas esquecemo-nos frequentemente de que a Igreja, assim como congregou toda uma população, moldou-a, no seu estilo muito próprio de ditadura pela moral, privando-a, portanto, de outros pulsares e até de outros desígnios.
Numa vila onde floresce a micro-empresa (na maioria das vezes, familiar), onde a taxa de abandono escolar é elevadíssima (muitas vezes por culpa dos próprios pais), e onde estudam, diariamente, mais de 2000 crianças e jovens, a sua Igreja, agora e sempre, esquece o Cristo ressuscitado e prega-o constantemente à cruz. À condição de mártir, mas, sobretudo, de pecador.
A Benedita cresceu a dar graças pelo que tem. Pelo que as suas empresas, tal qual amibas, em nada ajudam o país, mas ajudam muito o ego de quem as tem.
A Benedita cresceu com uma Igreja que é uma festa, para a qual as senhoras vão ao cabeleireiro, mas não tem Música, não tem Teatro, não tem Dança, não tem NADA. Porque um livro, ou um filme, cuidado!!!, são formas de subversão. [Sim, refiro-me directamente a si, padre Armindo...]
As escolas, sobretudo o Externato, debatem-se com a falta de iniciativa dos jovens beneditenses para o que quer que seja. Mas, que fazer quando esses jovens ouvem, em sua casa, que não há mal algum em não acabar o 9º ano e ir trabalhar para uma fábrica? “O irmão desistiu, e hoje já tem o carro artilhado..., Para quê estudar, se se pode ajudar o pai?, A estudar, que ao menos seja em Leiria...”
Muitas vezes, o que os pais destes jovens querem é que eles não cheguem sequer a sair. Que fiquem na terra, e façam dinheiro, como eles! Nos porcos, nos coelhos, seja no que for. Muitas vezes, o que os licenciados querem é voltar, para gerir os porcos, ou os coelhos, seja o que for. Desde que seja micro, desde que seja na Benedita, desde que seja, no fundo, como se nunca se tivesse passado nada. As gerações diluem-se...
E depois, um bom filho a casa torna. E nem todos podem ser especialmente iluminados. Nem devem, diriam alguns clérigos.
Muitos dos filhos da Benedita e da sua Igreja já nascem formatados. E são poucos, aflitivamente poucos, os que conseguem, numa operação de distanciamento, ter consciência da engrenagem, e dar frutos, as sementes, “do diabo”, que os salvem.
A apologia da mediocridade humana, debitada pela esmagadora maioria dos párocos que passaram pela Benedita, ainda grassa, e, com o padre Armindo, a todo o vapor. (Os oásis não se repetem. E, justiça seja feita, chegam-me, a este respeito, cada vez mais ecos de apreensão e descontentamento.)
Nota breve sobre o referendo do dia 11...
Naturalmente pelo SIM, gostaria apenas de lembrar a muitos católicos, e ao pároco da Benedita em particular, que há, em Portugal, muitos “padrinhos”-párocos, muitas mães que, por não o desejarem ou conseguirem ser, batem, torturam e matam os filhos, e muitas outras que consideram que 4 ou 5 já chega...
Relembro ainda que: o preservativo rompe, a pílula pode falhar, e que a laqueação e a vasectomia podem, ainda que raramente, ser regressivas. Cristo pedia que deixassem ir a ele (perdão pela minúscula, o pronome não está no início da frase) as criancinhas. Deixemos, pois. Que não sofram, se não são desejadas. E não nos esqueçamos nunca, e na Benedita há-os todos, e todos, felizmente, praticantes – virgens, padres, homossexuais, hipócritas, não hipócritas, mulheres que abortam, mulheres que não abortam: somos todos filhos de Deus.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

sem lá voltar

Atravesso-a, sempre que no Inverno vou ver o mar da Nazaré, e nunca páro.
A Alcobaça de hoje é a Alcobaça da minha infância – o hospital de Caldas da Rainha continua a ser incomparavelmente melhor, o Mosteiro continua nu e sem guias com capacidade para o encenar, o trânsito é caótico, as pessoas falam demasiado alto, de uma forma tão peculiarmente irritante que é conhecida até em Lisboa, os rios continuam a parecer um esgoto, a cidade é um manto de sombras, de noite e de dia. E sempre velha, sempre em obras, sempre feia.
A Feira de São Bernardo é um ex-líbris, com a sua artilharia “pimba”. Só aí cidade e concelho se agitam, se acotovelam, se enervam, para se verem ao espelho, como num espectáculo de televisão. Dá-se ao povo o que o povo quer, e fica toda a gente contente. Dá-se aos jovens o que supostamente eles querem, mas os jovens, os verdadeiros jovens (os que não são uma projecção dos pais) não querem aquelas “bandas para jovens”, e os que têm a infelicidade de não poderem sair de Alcobaça nesses dias de “festa” só têm uma solução: os bares. Depósitos de adolescentes, demasiado embriagados, demasiado drogados, demasiado novos. Porque, tal como ao povo se dá o que ele quer ouvir, sem questionar, até que este passe a exigir aquilo a que o habituaram, aos jovens dá-se ambientes de discoteca, em cubículos, onde florescem bebidas brancas e marijuana. Porque quando esses jovens nasceram não havia, como não há na Feira de São Bernardo, verdadeira alternativa. Cresceram sem ela. E os que hoje, aos poucos a vão vendo surgir, resistem-lhe, por uma questão de habituação – “Burro velho não muda...”, dizem os nossos avós. Porque o Cinema chega pobre, e atrasado. Porque o Teatro é de refugo, e revisteiro. Porque os espectáculos musicais são a conta-gotas, e invariavelmente repescados do “Top+” (ou de “fundos de catálogo”, onde ganha o artista com a caridade, e a Câmara com a poupança, se não se deixar enganar...).
A suposta alternativa nocturna de Alcobaça passa hoje pelo “Clinic”, propriedade de David Mariano e Nuno Gonçalves. O primeiro, jornalista, com uma aventura falhada no “Público”, o segundo, músico dos The Gift, grupo do qual também fazem parte Sónia Gonçalves e dois elementos virtuais. O “Clinic”, bar ínfimo, com aspirações a espaço cultural, nem sempre abre, nem sempre tem público, e quando abre, é para a “elite”, o que em Alcobaça significa: novo-rico (normalmente acéfalo) e pseudo-intelectual (normalmente amnésico). Recomenda-se, portanto, pela fauna, e para perguntarmos ao porteiro porque é que a entrada é 10 euros, mas só uma vez.
Alheio a tudo, descansa o saibro. Tão cru quanto o mosteiro (sem livros, sem camas, sem tino, sem nada), revelar-se-á, com a Primavera, a metáfora mais perfeita de Alcobaça.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

a descarga

Leiria cheira a porcos.
A animais, a abjecção, a podre. Foi sempre assim. É um distrito balofo, que liberta gases, e mais nada. Acaso nos descuidemos e piquemos alguém na rua, há uma grande probabilidade de ouvirmos “puff!”, e de o pobre espantalho esvoaçar, espalhando um cheiro nauseabundo.
Leiria cheira mal.
Mas não apenas por causa da suinicultura. Assim como em Alcobaça, e na Benedita, não cheira a borregos por causa da pastorícia. Só há certas ocasiões, muito pontuais, em que um cheiro consegue abafar o da bicharada, no distrito de Leiria – o das laranjas, quando as libertam dos seus frascos de formol, em tempo de eleições.
Era esse o cheiro por estas bandas, quando Portugal inteiro se vestiu de rosa para Sócrates (ele haveria de gostar desta frase) e só o distritozinho de Leiria, na sua birra de velho sem escrúpulos, mas muito temente a Deus, votou laranja. Portugal viu bastante depressa que Santana Lopes é como aqueles adolescentes que têm o lado infantil ainda muito acentuado, ou seja, não sabem o que querem, nem o que são, e são terrivelmente chatos. Apetece dizer-lhes: “Vão brincar para outro lado, que alguém tem que trabalhar!” E ele foi.
Mas não, Leiria assim o não queria. Na Benedita cheguei até a ouvir dizer que Sócrates não tinha qualquer possibilidade de ganhar as eleições. Ao que parece, Leiria não lê jornais, não vê TV ou por e simplesmente não consegue processar qualquer informação que não diga respeito aos porcos ou à micro-empresa. Porque escapou-se-lhe completamente o Túnel do Marquês, o restaurante elitista construído no mais belo miradouro do Jardim Amália (logo por cima do Parque Eduardo VII), a amálgama de aço e vidro projectada para a Baixa, o projecto de duas torres para Alcântara, cuja vista, do último andar, seriam os carros da Ponte 25 de Abril, etc... "Coisas de Lisboa?" Não, coisas de Portugal.
Das duas uma: Ou Leiria é mesmo muito ignorante, ou é mesmo muito egoísta. Sendo as duas, asssenta numa perversa dicotomia: tem, por um lado, um suposto apego aos mais altos valores ético-morais, e por outro não se inibe nunca de escolher para si o que considere ser o menor dos "riscos", independentemente de essa escolha ser, ou não, a pior para Portugal.
E o menor dos "riscos" é, para o distrito de Leiria, sempre laranja. Porque Leiria não é Portugal, é um microcosmos, sem rei, nem lei que não seja aquela que, de parto em parto, se perpetua. Dentro da sua própria bolha, ter uma das taxas de abandono escolar mais elevadas de toda a Europa é matéria abstracta. E o facto de esse abandono ser, muitas vezes, fomentado pelos próprios pais, "é natural", pois "o que se quer é trabalho" - crianças que aos 12, 13 anos, ajudem no “negócio” familiar (provavelmente, e não por acaso, o da construção civil), ou crianças que cosam sapatos (a escoliose fica sempre bem), em compasso de espera para a integração numa "fábrica" de 20 trabalhadores, onde vão ganhar pouco mais que uma hérnia discal, enquanto sonham abrir a sua própria "fábrica" de 20 trabalhadores. Ou, se quisermos, a sua micro-empresa.
Também há quem se dedique aos porcos.
Sem gastar muito no saneamento, que a chuva tudo lava...
A higiene quer-se para ir à missa: a Cultura, a Arte, e o Ensino verdadeiramente Superior, que este distrito efectivamente não tem.